quarta-feira, 4 de maio de 2011





AMAMENTAÇÃO: Recomendações quanto aos cuidados na prevenção de doenças transmissíveis no aleitamento materno.


O leite materno, além de seus nutrientes, contém, em sua composição, uma complexidade de células, membranas e moléculas que atuam na proteção do recém-nascido. Na mulher em lactação, o sistema denominado enteromamário ou bronco mamário atua quando os patógenos (bactérias) entram em contato com as mucosas do intestino ou aparelho respiratório e são fagocitados pelos macrófagos. Com isso, desencadeia-se uma ação estimulante nos linfócitos T, promovendo diferenciação dos linfócitos B produtores de imunoglobulinas A. Os linfócitos migram para a glândula mamária e, com a mediação de citosinas, tornam-se células plasmáticas que produzem uma glicoproteína que é acoplada à Ig A, convertendo-se em imunoglobulina A secretória. Esta é uma função importante e específica de proteção do recém-nascido conferida pelo leite humano.
O aleitamento materno, pelas inúmeras vantagens que traz tanto para a mãe como para o recém-nascido, é reconhecido como a melhor forma de alimentação da criança. Entretanto, doenças envolvendo tanto a mãe quanto o recém-nascido podem constituir obstáculos para a amamentação. Nessas circunstâncias, é importante que o profissional tenha habilidade, conhecimento técnico e atitude acolhedora para avaliar adequadamente a viabilidade do aleitamento. A nutriz, ao apresentar sintomas de uma doença, geralmente já expôs seu filho ao agente patogênico, e a orientação geral é manter o aleitamento.
Embora o leite humano contenha anticorpos, células mononucleares e outros fatores de proteção, em algumas doenças maternas ele pode funcionar como possível fonte de infecção para a criança.
Algumas doenças não infecciosas podem impedir o aleitamento materno temporária ou definitivamente devido às condições físicas da mãe, tais como doenças cardíacas, renais e hepáticas graves, psicose e depressão pós-parto grave.

Infecções por vírus:

Em várias doenças virais maternas, tais como hepatite, herpes vírus, sarampo, caxumba e rubéola, dentre outras, pode haver excreção de vírus no leite humano. Porém, exceto para as infecções causadas pelos retrovírus. Vírus da imunodeficiência humana (HIV), a transmissão por essa via tem pouco valor epidemiológico.
Na maioria das doenças viróticas maternas, outras fontes de contaminação para o recém-nascido devem ser avaliadas antes de se atribuir essa possibilidade apenas ao aleitamento. O risco de transmissão pode estar aumentado nos casos de infecção aguda no momento do parto, uma vez que o leite pode conter elevada concentração de partículas virais e baixos títulos de anticorpos protetores capazes de neutralizar o agente infeccioso.
A transmissão de retrovírus RNA, incluindo HIV-1, HTLV I e HTLV II, já foi demonstrada. O vírus HIV também poder ser transmitido da mãe para o filho, mas o papel do aleitamento na transmissão via leite humano ainda não está bem estabelecido. Até certo ponto, é surpreendente que o leite materno não seja mais infectante, especialmente com o volume consumido diariamente pelo lactente em aleitamento materno exclusivo. Portanto, isso leva a supor que devam existir mais fatores de proteção no leite humano além dos já conhecidos.

Infecção pelo HIV

O HIV é excretado livre ou no interior de células no leite de mulheres infectadas, que podem apresentar ou não sintomas da doença. Cerca de 65% da transmissão vertical do HIV ocorre durante o trabalho de parto e no parto propriamente dito; os 35% restantes ocorrem intra-útero, principalmente nas últimas semanas da gestação e por intermédio do aleitamento materno.
A carga viral no leite materno é um importante determinante do risco de transmissão.
No recém-nascido, a porta de entrada do vírus são as mucosas nasofaringe e gastrintestinal. Durante o aleitamento materno, a transmissão do vírus pode ocorrer em qualquer fase, porém parece ser mais frequente nas primeiras semanas e, especialmente, nas infecções maternas mais recentes. A carga viral no colostro ou leite inicial é significativamente mais elevada que no leite maduro. O aleitamento misto parece ser de maior risco do que o aleitamento materno exclusivo, pelo maior dano à mucosa gastrintestinal decorrente da alimentação artificial, que favorece a penetração do vírus. O risco adicional de transmissão do vírus pelo leite humano varia de 5 a 20%.
A utilização de terapêutica antirretroviral durante a gestação e o parto e sua manutenção em recém-nascidos resulta, mesmo se mantido o aleitamento materno, em redução da transmissão vertical do HIV por até seis meses após o parto.
No entanto, a infecção pelo HIV é uma das poucas situações onde há consenso de que a amamentação deve ser contraindicada. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que as mães portadoras do vírus HIV não amamentem.
Porém, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) recomendam que, em países pobres, onde doenças como diarreia, pneumonia e desnutrição contribuem substancialmente para elevadas taxas de morbimortalidade infantil, o benefício do aleitamento materno deve ser considerado em relação ao risco da transmissão do vírus HIV.
Nesses casos, e na impossibilidade de oferta de uma alimentação artificial adequada, é preferível manter a amamentação, haja vista seus benefícios para o lactente vivendo sob condições precárias.
A inativação do vírus HIV do leite materno pelo processo de pasteurização (62,5 ºC por 30 minutos, seguido de resfriamento rápido) permite que a criança continue a receber o leite materno sem aumentar o risco pós-natal do vírus.

Hepatites A, B e C.

Os vírus das hepatites A, B e C podem ser transmitidos para a criança durante a gravidez, parto ou período pós-parto.
Os vírus de transmissão oral-fecal, como o da hepatite A, têm maior possibilidade de serem transmitido são recém-nascido no momento do parto. Além disso, o vírus da hepatite A pode ser excretado no leite humano de nutrizes na fase aguda da doença. Quando o parto ocorre nessa fase da doença, a criança deve receber imunoglobulina anti-HVA na dose de 0,02 ml/kg como profilaxia. Essa conduta é indicada para todas as crianças, independentemente da amamentação, e confere proteção que supera o risco da criança adquirir a doença. Assim, o aleitamento materno não é contraindicado. Os vírus das hepatites B e C são transmitidos pelo contato com sangue e secreções genitais. A maior via de transmissão do vírus da mãe para a criança é a exposição do bebê ao sangue materno, que acontece durante todo o trabalho de parto e no parto.
Mãe soropositiva para HBsAg durante a gravidez determina a necessidade de a criança receber a primeira dose da vacina logo após o parto e imunoglobulina hiperimune da hepatite B (HBIG) na dose de 0,5 ml via intramuscular (IM) nas primeiras 12 horas de vida, aplicadas concomitantemente, mas em locais diferentes. A eficácia dessa conduta é de 95% e elimina o eventual risco de transmissão pelo leite materno. Quando a mulher não foi testada para o HBsAg ou essa informação não está disponível, o exame deve ser solicitado logo após o parto. Enquanto se aguarda o resultado, o recém-nascido deve receber a primeira dose da vacina. Se o resultado do exame for positivo, a imunoglobulina deve ser aplicada o mais cedo possível, dentro dos primeiros sete dias após o parto. No entanto, se a pesquisa de HBsAg não for possível, não se justifica dar imunoglobulina para todos os recém-nascidos, já que a vacina isoladamente é bastante eficaz na prevenção da doença em 70 a 90% dos casos.
No parto de gestante HBsAg-positiva, orienta-se lavar bem o recém-nascido, retirando todo vestígio de sangue ou secreção materna. Por outro lado, mesmo que a mãe apresente fissura mamária com sangramento, não se contraindica a amamentação.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que recém-nascido pré-termo com peso menor que 2.000 g e filho de mãe HBsAg-positiva deve receber o esquema vacinal de quatro doses (ao nascimento, com 1, 2 e 6 meses de vida), além da imunoglobulina. Se o esquema proposto não for iniciado no período neonatal, então a criança deverá receber as três doses habituais de vacina. Em todas as situações, o aleitamento materno deve ser recomendado.
O Comitê de Doenças Infecciosas da Academia Americana de Pediatria recomenda que as mães sejam informadas a respeito do risco teórico, ainda não confirmado, de transmissão do vírus para a criança via leite materno. A decisão de amamentar deve ser particularizada para cada caso, em que pese ao papel da amamentação na vida dessa criança, pois não se sabe ao certo o papel do aleitamento na transmissão desse vírus para a criança.

Herpes simples

O recém-nascido pode ser contaminado com herpes simples intra-útero pela via hematogênica transparentaria, durante o parto (a via mais frequente) ou no período pós-natal.
O risco de contaminação neonatal é maior para infecção primária ou não primária se ocorrer no último mês da gestação. Porém, na última semana antes do parto, a transmissão é baixa para doença recorrente. O risco de transmissão do vírus pelo leite materno é muito baixo. No acometimento da nutriz pelo herpes, o aleitamento materno deve ser mantido, exceto quando as vesículas herpéticas estiverem localizadas na mama. Lesões ativas em outras partes do corpo devem ser cobertas, recomendando-se rigorosa higiene da nutriz para que o aleitamento seja mantido.
Cuidados adicionais devem ser tomados quando houver vesículas em face e dedos e com outras fontes de vírus herpes simples, como a gengiva estomatite, em outros familiares. Se houver suspeita ou se for confirmado que o recém-nascido tenha infecção por herpes simples, ele deve ser isolado de outras crianças, mas não de sua mãe. Há relato de caso de criança de 15 meses de idade que foi contaminada com a doença por um irmão de cinco anos com gengiva estomatite. A mãe foi contaminada pela criança em ambos os seios durante a amamentação.


Infecções por bactérias:

Tuberculose

Para mães com tuberculose, as recomendações para amamentação dependem da época em que foi feito o diagnóstico da doença.
Segundo a OMS, não há necessidade de separar a mãe da criança e, em circunstância alguma, a lactação deve ser impedida. O bacilo de Koch excepcionalmente é excretado pelo leite materno, e, se houver contaminação do recém-nascido, geralmente a porta de entrada é o trato respiratório. Assim, mãe com tuberculose extra pulmonar não necessita de cuidados especiais para amamentar.
Segundo a Academia Americana de Pediatria, recém-nascido de mãe com tuberculose pulmonar em fase contagiante ou bacilífera, sem tratamento ou com menos de três semanas de tuberculostáticos no momento do parto, deve ser separado da mãe, mas alimentado com o leite humano ordenhado, uma vez que a transmissão geralmente se dá pelas vias aéreas.
A mãe deve realizar pesquisas do bacilo álcool-ácido resistente no escarro até sua negativação, quando poderá ter contato com o bebê. Este deve receber quimioprofilaxia com isoniazida, então, realizar o teste tuberculose início (PPD). Se o teste for positivo, está indicado rastrear a doença através de exame clínico e radiológico. Se não se detecta infecção ativa, mantêm-se a vigilância e a quimioprofilaxia até o sexto mês, quando se aplica o BCG-ID. Se o PPD for negativo aos três meses de idade, a quimioprofilaxia pode ser interrompida e o BCG-ID pode ser aplicado, mantendo-se a vigilância clínica.
Em situações onde há risco de não acompanhamento do bebê em uso de quimioprofilaxia com isoniazida, é mais seguro indicar a vacinação com BCG-ID concomitante.
Segundo a OMS, a amamentação deve ser mantida, porém deve-se diminuir o contato íntimo mãe-filho, além de se tomar os seguintes cuidados: amamentar com máscara ou similar, lavar cuidadosamente as mãos, rastrear os comunicantes, especificamente os domiciliares. Administrar ao recém-nascido hidrazida durante seis meses.
Após o término da quimioprofilaxia, vacinar com BCG-ID. A amamentação deve ser mantida durante todas as etapas. Em mãe em fase não contagiante da tuberculose cujo tratamento foi iniciado há mais de três semanas não há restrições quanto ao aleitamento materno, sendo indicado vacinar o bebê com BCG-ID ao nascer. Nos casos em que o diagnóstico de tuberculose materna for feito após o início da amamentação, o lactente deve ser considerado potencialmente infectado e receber quimioprofilaxia. A amamentação deve ser mantida, pois a administração de drogas tuberculostáticas para o tratamento da mãe não contraindica o aleitamento.

Hanseníase

A hanseníase é uma doença infecciosa de curso crônico, alta infecciosidade e baixa patogenicidade. Apresenta um quadro clínico variável, que depende basicamente da resposta imunológica celular do indivíduo. A transmissão da doença ocorre pelo contato pessoal, preferencialmente prolongado, por meio das secreções nasais e da pele. O bacilo pode ser isolado no leite materno nos casos de doença de Hansen não tratada, bem como em pacientes com duração do tratamento inferior a três meses com sulfona (dapsona ou clofazamina) ou inferior a três semanas com rifampicina. Lesões de pele na mama também pode ser fonte de infecção para o recém-nascido. Não há contraindicação para a amamentação se a mãe estiver sob tratamento adequado. O recém-nascido deve ser tratado o mais precocemente possível e
Simultaneamente com a mãe. As drogas utilizadas são as mesmas da mãe e podem passar para o leite humano em baixas concentrações, não havendo relato de efeitos colaterais graves. A criança deve ser acompanhada e realizar exames clínicos periódicos para a detecção precoce de possíveis sinais da doença. Além disso, são recomendados os seguintes cuidados na amamentação: lavagens rigorosas das mãos, e uso de máscara ao manusear a criança e oclusão de lesões nas mamas. A mãe contagiante ou bacilífera (não tratada ou tratada há menos de três meses com sulfona ou três semanas com rifampicina) deve evitar contato com o filho.

Infecções por parasitas:

Malária

Como a malária não é transmitida entre humanos, a amamentação pode ser mantida se as condições clínicas da mãe permitir. Não há nenhuma evidência indicando que a malária possa ser transmitida pelo aleitamento materno.
Em mães que necessitam tratamento, cloroquina, quinina e tetraciclina são recomendados. Sulfonamidas devem ser evitadas no primeiro mês de lactação. Portanto, mãe com malária e em lactação pode amamentar durante o tratamento com drogas específicas.

Doença de Chagas

Nas formas aguda e crônica da doença de Chagas, estudos mostram que o Trypanosoma cruzi pode ser isolado no leite materno.
Embora possam aparecer sequelas tardias, a doença aguda no lactente tende a evoluir de forma benigna. Esse fato, juntamente com a raridade da transmissão da doença, justifica a manutenção do aleitamento materno em mulheres com a forma crônica da doença, exceto se houver sangramento e fissura no mamilo. Nos casos de doença aguda, a nutriz não deve amamentar. Experimentos em laboratório, utilizando amostras de leite humano contaminadas com o protozoário e testadas em diferentes condições, demonstraram que a pasteurização do leite previne a transmissão da doença.

Infecções por fungos:

Paracoccidiomicose

Doença granulo matosa sistêmica causada por fungo, cuja transmissão se dá provavelmente por via respiratória.
Não há contraindicação para o aleitamento materno se esta doença acometer a nutriz. Entretanto, é importante lembrar que o cotrimoxazol, comumente usado no tratamento, é excretado no leite materno e pode causar efeitos colaterais graves no recém-nascido.





Criptococose






Doença causada por fungo, com distribuição ampla na natureza.
Pacientes com deficiência da imunidade celular, incluindo os portadores de HIV/AIDS, são os de maior risco para desenvolver a doença.
A transmissão de partículas no meio ambiente é pela via aerossol, não havendo relato da forma inter-humana. Assim, o aleitamento materno não é contraindicado.





"Em virtude da possibilidade da transmissão de doenças através do aleitamento materno, o profissional de saúde, ao identificar uma puérpera com infecção viral ativa ou outra doença infecciosa, precisa avaliar a necessidade de suspender ou não a amamentação. Esse acontecimento pode ser um fato constrangedor e traumático, tornando necessária a participação do profissional de saúde no esclarecimento de dúvidas e auxiliando a puérpera a compreender os motivos pelos quais o aleitamento foi suspenso."

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